Hoje é dia do encontro entre o presidente chinês, Xi Jinping, e o recém empossado Donald Trump. Basicamente, 40% do PIB mundial estará reunido na Califórnia, num movimento anunciado há pouco menos de um mês, no encerramento das Duas Sessões, a reunião anual do parlamento chinês que apresenta os principais feitos do partido no ano anterior e projeta os próximos meses. Uma relação bilateral mais tranquila com os Estados Unidos é fundamental nesta pauta, e em pouco tempo estavam acertadas as bases para o que veremos nesta quinta e sexta-feiras.
Trump fez durante a campanha duras críticas à China, especialmente no que diz respeito ao emprego – chegando a indicar que o aquecimento global era uma invenção chinesa para estrangular ainda mais a empregabilidade norte-americana. Mal venceu, telefonou para a líder de Taiwan, a ilha rebelde que a China indica como parte de seu território, quebrando o protocolo de décadas. Quer um papel mais ativo de Beijing na contenção das aventuras nucleares do vizinho norte-coreano. E, claro, tem muito apelo nas batalhas comerciais entre os dois países. A ver o que sai dali.
Espanta, no entanto, que, enquanto jornalões mundo afora estão atentos ao encontro Xi-Trump, cada um fazendo apostas em quem sairá vencedor, o Brasil segue tímido na cobertura – talvez pelo fato lógico de que não temos mais correspondentes fixos em território chinês, fruto não do aperto econômico das redações, mas de um elemento que se percebe nas esferas públicas e privadas brasileiras: investir sem estratégia, economizar onde se poderia gerar mais negócios. Órfãos de gente afeita aos desdobramentos chineses, lê-se na imprensa brasileira malabarismos em forma de coluna que ressaltam as milenares práticas chinesas de negociação e lembram as primeiras interações oficias com o Ocidente ainda na China dinástica, sem ter um conteúdo para analisar o hoje, quem sabe projetar o futuro, nem que este seja o mais breve possível.
A China chega ao encontro com Trump impregnada de um discurso pró-globalização e anti-protecionismo, garantindo que em casa quer manter a estabilidade e um crescimento que gire em torno de 6,5%, sustentado também em limpar o ambiente, arruinado em qualquer aspecto que se pense, da água, ao ar e à terra. O foco de Trump, já tanto nos holofotes pelas gafes com os mandatários de outros países – quem não lembra da recusa do norte-americano em apertar a mão de Angela Merkel? -, também hoje se volta à tragédia humanitária na Síria, onde seis anos de guerra desembocaram nesta semana na terrível evidência da utilização de armas químicas, vitimando dezenas de crianças entre os civis.
Neste cenário, a China se movimenta não apenas com retórica, parece estar mesmo apegada à vontade de não só ser a primeira economia mundial em breve, mas de ser uma efetiva protagonista.
No campo empresarial, duas notícias bilionárias desta quarta-feira têm ligação direta com a relação sino-brasileira. A compra da gigante de biotecnologia Syngenta pela estatal chinesa ChemChina foi aprovada nos Estados Unidos e pela União Européia, num negócio de US$ 43 bilhões e que significa, segundo analistas, a busca da segurança alimentar – o Brasil, com sua cadeia agropecuária cambaleante, parece desejar que a China mantenha fragilidade justamente neste campo, a fim de manter o mercado, pois só pensa que a classe média chinesa cresce, e é preciso alimentá-la. Esquece-se que com tecnologia se faz de tudo, inclusive diminuir a dependência da proteína brasileira.
Dependentes ficaremos nós, cada vez mais. A outra notícia, aliás, atesta a crescente dependência do Investimento Direto Estrangeiro vindo de Beijing. Ontem, a China Investiment Corp. anunciou a compra de 90% da Nova Transportadora do Sudeste (SA), junto à canadense Brookfield e outros investidores institucionais. A subsidiária da Petrobras opera 2.050 quilômetros de dutos no Rio de Janeiro, com 44 estações. Agora, a estatal brasileira terá 10% da operação. A Itau SA, ou Itausa, fica com parte da aquisição chinesa, ou participação de 7,65%. O negócio girou em torno de US$ 5,1 bilhões, dos quais US$ 4,23 bilhões foram à vista, enquanto os restantes US$ 850 entrarão nos cofres da estatal brasileira nos próximos cinco anos.
Enquanto os tentáculos chineses vão aumentando mundo afora com seu IED, dentro de casa o país continua pródigo em produzir notícias. Nesta semana, o governo anunciou a criação da Zona Econômica Especial de Xiongan, relativamente próxima a Beijing e cuja área, que soma três vezes a de Nova York, quer atrair investimento, aliviar o trânsito e a poluição na capital chinesa e, principalmente, se tornar um hub de inovação e alta tecnologia. E isso tem algo a ver com o Brasil? Tem e já tem agora: a construção da megacidade deverá demandar entre 12 milhões e 14 milhões de toneladas de aço por ano, e o mercado ontem já estava otimista com a manutenção da forte demanda chinesa por matéria-prima.
No campo acadêmico, das ideias e onde brotam os principais think tanks que aconselham e fazem a roda da economia mundial girar, a China anunciou também nesta semana, o primeiro campus da Universidade de Peking, a mais importante do país, no Exterior: ficará em Oxford, onde a Beida, como é chamada pelos chineses, abrirá uma escola de negócios.
A pergunta que fica é: Trump terá tempo de entender tanta novidade em tantos campos, da segurança alimentar à inovação, investimento estatal e modelo de crescimento de uma potência? E nós, nós temos?