China dá início às Duas Sessões nesta sexta

As Duas Sessões decidem futuro da China em 2022 e começam em 4 de março
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Normalmente as Duas Sessões, como são chamadas as reuniões da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC) e da Assembleia Popular Nacional (ANP), são os principais eventos políticos do calendário chinês no ano. Não em 2022, porque no último trimestre a China realizará o 20º Congresso do Partido Comunista, quando Xi Jinping deve ser apontado para recondução ao terceiro mandato – algo inédito desde Deng Xiaoping (1978-92). Um de seus legados foi preparar sucessões no alto comando do país garantindo que presidente e vices só ocupassem os respectivos cargos por, no máximo, dois mandatos de cinco anos. Tal limite foi extinto na Constituição chinesa em 2018.

Agora, dizer que as Duas Sessões não sejam o principal evento político do ano, no entanto, não as deixam menos importantes. Afinal, estamos falando do principal encontro legislativo chinês e que revela as metas anuais das políticas para a economia, a política e a sociedade chinesas. Também ali sabe-se o que esperar do relacionamento da China com o mundo. Com a guerra da Rússia na Ucrânia, o momento é delicado. As reuniões se iniciam nesta sexta-feira, dia 4 de março.

Há três níveis de decisões a serem acompanhadas nas Duas Sessões, todos fundamentais. Dois referem-se ao cenário interno. O primeiro é preparar o ambiente para garantir a permanência de Xi Jinping, o segundo é organizar as políticas econômicas e sociais (e que pavimentarão o caminho para uma recondução bem vista pela população) e o terceiro é desenhar o espaço da China no palco global. Pois é, textão à vista, porque assunto não falta.

Vamos começar do começo: O que são as Duas Sessões?

As Duas Sessões são reuniões praticamente paralelas da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC) e da Assembleia PopularNacional (ANP) que ocorrem todos os anos normalmente após o Ano Novo Chinês. Enquanto a primeira reúne cerca de 2 mil delegados representantes da política e da sociedade civil chinesa lideradas pelo Partido Comunista da China, a segunda é semelhante ao parlamento, mas com quase 3 mil delegados. A ANP pode mudar a Constituição, referendar o nome dos líderes (o que ocorrerá em 2023), revisar emendas e aprová-las, entre outras atribuições. Ela foi institucionalizada em 1954 (cinco anos depois da criação da República Popular da China) e 170 delegados constituem o seu Comitê Permanente – quem efetivamente ganha salário, reúne-se regularmente e que não pode ter quaisquer outros cargos em instituições.

Ambos os mecanismos têm mandatos de cinco anos – que aliás se encerra em 2022. Daí a importância para a política sucessória desta que é a Quinta Sessão da 13ª ANP, pois ela decidirá o número de delegados da 14ª assembléia, a começar em 2023, quando o nome do novo presidente e do vice, bem como de toda a estrutura de poder da China, precisará ser referendada. Também nesta sessão serão definidas as regras para a escolha dos delegados das Regiões Administrativas Especiais de Hong Kong e de Macau.

Via de regra a ANP tem pouco menos de 3 mil delegados. Eles são eleitos a partir de estruturas hierárquicas ligadas majoritariamente ao Partido Comunista da China em níveis subnacionais. Aliás, há cinco níveis de assembleias, e no mais básico, que serviria a municípios e subdistritos para fazer uma analogia com o Brasil, todos os maiores de 18 anos podem votar nos representantes. Há ainda outros partidos menores que compõem a ANP.

Todos os anos, a Conferência Consultiva é abertura um dia antes da Assembléia Nacional Popular. Desta vez, na sexta. Na abertura da ANP, que cairá no sábado, será lido o Relatório de Trabalho pelo premiê, Li Keqiang, o momento em que todos ficam atentos ao texto. Vale para governantes, investidores, analistas de dentro e de fora da China. É neste momento que o governo aponta metas e rumos anuais. Aqui um vídeo sobre as Duas Sessões de 2020 que explica estes organismos, sua importância e lembra o que ocorreu na política chinesa e na economia quando a pandemia teve início. Em 2020 elas ocorreram só em maio, e não logo após o Ano Novo Chinês, justamente devido às restrições pela Covid-19.

O que esperar das Duas Sessões para 2022?

O primeiro-ministro Li Keqiang, que ao que tudo indica vive sua última ANP no cargo, lerá o relatório no sábado e deve apresentar uma meta para o PIB chinês pela primeira vez em dois anos. Ainda que a China tenha crescido 8,1% em 2021, os prognósticos apontam para menos vigor da economia. A guerra russa na Ucrânia não ajuda em nada a melhorar estas previsões. O setor imobiliário é uma das pedras no caminho e, sobre ele, e em especial sobre a gigante de construção civil Evergrande, há um webinar muito interessante do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC):

Evento em outubro deste ano discutiu a crise da Evergrande e o modelo de crescimento chinês

Mas para além do crescimento há uma miríade de temas. A China já colocou inovação no centro do debate, segundo página especial sobre as Duas Sessões lançada em inglês pela agência de notícias Xinhua. Segundo Beijing, em 2021 a China investiu 2,44% de seu PIB em Pesquisa e Desenvolvimento, totalizando pouco mais de US$ 441 bilhões. Em parte, os esforços neste sentido devem ajudar a garantir as metas de descarbonização, prevista para ser alcançada em 2060. O governo diz que elas não se refletirão em fragilidade econômica. Parece verdade. Em fevereiro Li afirmou que usinas a carvão poderiam operar a todo vapor para sustentar a produção, isso porque ainda que a China tenha avançado em energia limpa, ainda há muito a ser construído.

Um tema que deverá chamar a atenção serão as novas leis e regulações envolvendo o direito das mulheres – e também das crianças. Segundo a jornalista Xu Yawen, a ANP já havia recebido mais de 423 mil sugestões do público sobre o tema. Ou seja, dentro de casa, a sociedade chinesa já debate muito a questão. Com taxas de natalidade cada vez menores e pressões de custos cada vez mais altas – o que inclui moradia, mas também educação e saúde, as famílias têm decidido por menos ou nenhum filho. E isso que a política do filho único foi abolida em 2016. Pensar no direito das mulheres será fundamental para dar início a uma rede social mais robusta que encoraje as chinesas a terem um ou mais filhos.

Página da ANP que recebe sugestões do público sobre temas que serão debatidos e regulados – em destaque, os direitos das mulheres/Reprodução

Pressões em relação às economias das famílias são várias, e a regulação de proteção dos trabalhadores das plataformas digitais chinesas deverá ser outro tema debatido. Os chineses têm dito que este ano é especialmente importante porque as metas e regulações apresentadas durante a ANP são passos rumo à construção de um país socialista moderno, meta que a China quer atingir em 2035 e que considera curto prazo.

Tudo isso deve ser compilado no relatório de Li Keqiang – e outros temas da agenda e que conheceremos no sábado. No encerramento da ANP o primeiro-ministro volta a falar, desta vez em coletiva de imprensa com jornalistas chineses e estrangeiros. Neste ano, tudo deve ser mais espinhoso – desde um balanço de seus dez anos até o cenário global. Aliás é na vizinhança chinesa que as coisas estão mais tensas. Durante os dias de assembleia, ministros de todos sos setores também participam de coletivas. Quando o titular das Relações Exteriores chinês, Wang Yi, falar, deverá também enfrentar perguntas embaraçosas por parte dos jornalistas e precisará defender a posição da China sobre o tema.

Aliás, a China e o mundo

A guerra da Rússia na Ucrânia é certamente a pedra no sapato dos chineses hoje no palco global. Ainda que a China venha defendendo certa neutralidade no conflito e já tenha dito que não deve oferecer sanções aos russos, ela terá de agir. Tanto que já se ofereceu para mediar o conflito. O papel como mediadora pode se intensificar nos próximos dias – o que, se ocorrer, acaba por empurrar a China para os holofotes nesta questão.

Nesta quinta-feira, dia 3, houve um movimento peculiar de uma instituição com muitos laços na China – incluindo físicos, pois a sede é em Beijing. O Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, em que a China tem a maior participação (30%), anunciou que suspenderia todos os negócios em andamento ou em prospecção com Rússia e Belarus. Com 105 membros (a Ucrânia não é um deles), o banco tem 57 países fundadores, entre os quais a Rússia, terceiro maior sócio, com 6,7% de participação.

De qualquer forma, para além da Rússia, da Ucrânia e da guerra, há o resto mundo. Em comentário da Xinhua publicado também nesta quinta-feira, a China foi apresentada como caminho para soluções de problemas. No campo econômico, cita a agência, o crescimento do PIB de 8,1% no ano passado ajudou a injetar vigor na recuperação global. O texto também cita a Iniciativa do Cinturão e Rota (a qual a Argentina aderiu em janeiro deste ano, ampliando o leque de países latino-americanos participantes) e voltou a falar em uma única comunidade global, em que deve-se buscar menos conflito e mais soluções conjuntas. A ver. O cenário não está fácil.

Aliás, aqui, outro ponto que tem a ver com a vida cotidiana dos chineses, mas impacta os negócios no mundo. Praticamente fechada aos visitantes, sejam turistas eu gente de negócios, desde fevereiro de 2020, a China mantém uma estrita política de Covid zero. Isso protegeu a população local, que registrou poucas mortes e mesmo contágios – especialmente se compararmos ao Brasil, onde mais de 650 mil brasileiros morreram em decorrência da Covid. A China não tem 5 mil mortos pela doença. Porém há um consenso de que o país já poderia se aproveitar de experiências do estrangeiro para flexibilizar suas regras, especialmente dados os índices de vacinação. A ver que caminhos o relatório de Li Keqiang vai apontar.


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