A China tem um objetivo muito claro neste ano: crescer. No encerramento das Duas Sessões, o primeiro-ministro, Li Keqiang, afirmou que a economia tem de ir bem em 2022, e a meta fixada já na abertura da Assembleia Nacional Popular(ANP) foi de 5,5%. Como ocorre todos os anos, Li participou de entrevista coletiva ao final do evento. Só que desta vez o fim veio depois de apenas seis dias e meio, menos do que os usuais 10 ou 15 dias. Tempos de Covid-19.

É justamente a Covid-19 o principal problema da China hoje, segundo o próprio premiê, que deve deixar o cargo na primavera de 2023. Com o mundo ainda em pandemia e as incertezas globais, a doença provocou mudanças de comportamento e comprometeu alguns setores. A China, que mantém uma política de zero casos – ou tentativa disso – está com as fronteiras fechadas para visitantes desde fevereiro de 2020. Apenas em algumas exceções são permitidas viagens ao país, o que enfraquece do turismo aos negócios.
Mas os efeitos mais marcantes para a economia estão dentro de casa, já que quando há casos aumentando, cidades decretam lockdown. Num surto sem precedentes até agora no país, a semana começou com mais de 30 milhões de pessoas nesta situação ou com restrições de mobilidade só na China continental. O recrudescimento da pandemia internamente veio depois da fala de Li – e houve duas mortes pela Covid-19, algo que a China não via há mais de um ano.
Shenzhen, cidade ao lado de Hong Kong, e meca de hardware e software da China, ficou praticamente duas semanas fechada. Quando ocorrem situações assim, sofrem turismo, pequenos negócios, serviços, etc. Ali é pior porque estão fábricas que abastecem o mundo de gadgets e outros suprimentos – incluídos aí o iPhone. Na mega planta da Foxconn, sistemista da Apple, houve anúncio de que parte dos trabalhadores poderiam voltar à ativa. Em Shanghai, 24 milhões de pessoas são encorajadas a não saírem de casa, algumas em lockdown.
Por todo o país são proibidas ou desaconselhadas viagens e muitos locais mesmo abertos pedem exames PCR com até 48 horas de antecedência para que as pessoas possam frequentar. Além das fábricas pararem suas produções, hubs logísticos, incluindo portos, também acabam paralisando atividades. As reações em cadeia são tantas que até o preço do frete via contêiner sofre. As taxas cresceram pesadamente desde 2020 e devem ter novo incremento já nestes dias.
Mas voltando à coletiva de Li, para além de identificar a doença como o grande desafio chinês, ainda antes de o surto apertar, ele não deu sinais de que o fim da política de Covid zero estaria próximo. Afirmou que o objetivo é sempre tratar cientificamente com foco e precisão o surgimento de novos surtos. As novas variantes têm adicionado mais dificuldade a estas estratégias. O que se tem no horizonte são políticas de contenção cada vez mais localizadas, mas que ainda assim desafiam o bem-estar da população e a economia.
Guerra
Do lado de casa nem é preciso lembrar que a guerra entre Rússia e Ucrânia não só traz mais incerteza ao cenário global, como leva a China para o centro de um debate do qual ela talvez nem quisesse participar. Mas parte do mundo a vê como potencial moderadora no conflito – e ela própria sabe que pode assumir tal condição. Li afirmou na entrevista que a China está extremamente preocupada.
Até agora, a China busca uma posição de neutralidade, mantendo os laços com a vizinha Rússia e também com a Ucrânia. Mas ela sabe que independentemente de qualquer movimento é vista pelo Ocidente como aliada russa, como ameaça à democracia ocidental e, por isso, ainda que aja dentro de seus limites e princípios, será alvo de críticas. O quanto isso pode enfraquecer efetivamente laços econômicos ou respingar em sanções ainda é cedo para dizer.
Em 8 de março, Xi Jinping telefonou para o presidente francês, Emmanuel Macron, e para o chanceler alemão, Olaf Scholz, afirmando preocupação com uma guerra na Europa e seu possível recrudescimento. Na última sexta-feira, foi a vez de conversar com o presidente norte-americano, Joe Biden, em uma vídeo conferência de uma hora e 52 minutos em que Xi expressou que espera a paz.
Paciente a China espera. Pelo menos no terreno de guerra. Em outros flancos, se movimenta e amplia laços com parceiros ao redor do mundo. O fato de a Arábia Saudita estudar aceitar Renminbi (RMB), a moeda chinesa, para a compra de petróleo, mostra isso. Claro que a decisão vem de um contexto de internacionalização do RMB, que dura já mais de uma década. A moeda integra a cesta de moedas de reserva do FMI desde 2016.
Problemas demais em ano sensível
Saúde pública e questões geopolíticas globais seriam o que menos a China gostaria de tratar neste ano, quando busca estabilidade e uma população confiante no futuro do país – e seu próprio. Isso porque em novembro deverá ocorrer o 20º Congresso do Partido Comunista da China, quando Xi Jinping deve ser indicado ao terceiro mandato. Garantir uma boa aprovação popular é ferramenta importante para que tudo ocorra sem percalços.
Talvez por isso Li tenha enfatizado tanto a necessidade de crescimento de uma economia de US$ 17,4 trilhões – o PIB da China em 2021. Para o premiê, 5,5% sobre esta base é suficiente para garantir metas tais quais a manutenção do desemprego abaixo dos 5,5%. A China quer criar neste ano 16 milhões de empregos urbanos, e, pela primeira vez, destes, mais de 10,7 milhões serão de recém graduados.
Há uma prioridade no atendimento a micro e pequenas empresas – muitas afetadas pela pandemia. E um desejo do governo de manter a variação do índice de preços ao consumidor em até 3%. Nada fácil, pois nem uma semana depois da entrevista de Li Keqiang, os surtos de covid-19 se ampliaram pelo país, provocando paralisações de cidades e de negócios, e a guerra continua ainda sem solução. Segurança alimentar está também no centro deste processo. A China nem pensa em pensar em desabastecimento.
Pois bem. Crescem os desafios, e os prazos para que as metas sejam atingidas vão se estreitando. A China, via de regra, consegue entregar bons resultados. 2022 não será um ano fácil. Se conseguir, será outro momento em que merecerá aplausos. E um olhar atento para que outras nações em desenvolvimento entendam onde ela está dando certo. Porque estará.