Ler sobre a China é uma arte, tanto para chineses quanto para estrangeiros. Mas é bem verdade que os estrangeiros, na maior parte do tempo, estão em uma tremenda desvantagem, não só porque não entendem o mandarim e não conseguem ler o que se passa na mídia, nas redes sociais e na academia chinesas, mas porque não estão na China para avaliarem determinadas situações com os próprios olhos.
Para os chineses que só têm acesso a notícias oficias há de um lado excesso de otimismo e de outro parâmetros muito bem pensados sobre o que é ou não passível de virar notícia. Daí, ler acaba sendo um quebra-cabeças, em que diferentes fontes sobre o mesmo tema formam um panorama a ser avaliado. Via de regra, a imprensa estrangeira – cujos principais expoentes são dos Estados Unidos e da Europa – toma como papel o de crítico e propagador de uma gama variada de notícias e pontos de vista negativos sobre a China.
Nesta quinta-feira, o New York Times deu um exemplo gritante para reforçar o estereótipo de que a cobertura chinesa é, em geral, negativa: em uma matéria sobre os dias menos poluídos da capital chinesa, afirma que agora o Greenpeace confirma o que o governo chinês vinha dizendo e os olhos podiam ver: o céu de Beijing anda mais azul.
Já era claro para quem vive ou circula na cidade. Mas para que ter certeza…
Antigamente, acreditava-se que só vendo para crer. Na China, não é bem assim, aparentemente. A gente percebe, o governo corrobora com dados, acredita-se se outro estrangeiro atestar.
Dia desses eu já havia escrito sobre o controle da poluição atmosférica no jornal em inglês China Daily, destacando especialmente o fato de que problemas estruturais na América Latina, olhando aí para o Brasil também, são arrastados por anos – muitas vezes, nem saindo do papel. Beijing ter limpado o seu ar em um espaço tão curto de tempo, desde que virou prioridade governamental, é algo digno de se prestar atenção. Para quem quiser ler a íntegra, a coluna está neste link aqui.
Não faz muito, li um artigo do economista Joseph Nye, que cunhou o termo soft power para designar o arcabouço cultural de que um país faz uso para conquistar corações e mentes em outras paragens (tais quais a mídia, os produtos como o cinema e o turismo e as produções acadêmicas), discutindo o movimento chinês de buscar ampliar a imagem positiva mundo afora.
É notório que o país asiático já apostou muito na diplomacia comercial para ganhar espaço, mas agora Beijing tem apontado também os círculos midiáticos e intelectuais como meio de promover suas mensagens. Nye, então, cunhou outro termo, o do sharp power, em que argumenta que muitas das informações chinesas, sejam elas via notícias ou produção cultural e acadêmica, são fruto de autocensura ou imposição do poder central.
Embora seja impossível negar os filtros por que passam os temas discutidos na China, fica a pergunta: acaso os estrangeiros quando analisam e escrevem sobre o país asiático também eles não se utilizam de seu instrumental, via de regra, negativo quando se fala sobre o que se produz na China? Está aí a matéria do New York Times para mostrar que não basta testemunhar e ouvir do governo central. Tem de ter uma prova ocidental para acreditar no que os olhos veem.